Se você está lendo este artigo, provavelmente é um profissional de saúde que busca excelência técnica, ou talvez um estudante que gostaria de transformar teoria em prática segura e eficiente. A coleta de sangue, ou flebotomia, é muito mais do que um simples procedimento técnico. É o primeiro e crítico elo na cadeia de confiança do diagnóstico. Um procedimento bem executado garante a integridade da amostra, a segurança do paciente e a precisão dos resultados laboratoriais. Neste guia, vamos além do básico, mergulhando nas nuances que fazem a diferença entre uma coleta rotineira e uma coleta de alta performance. Vamos falar sobre a abordagem correta ao paciente, o tempo que usamos o garrote, a importância crucial da ordem dos tubos e até mesmo sobre como o ângulo do bisel da agulha influencia no sucesso da punção. Prepare-se para uma leitura rica em dicas aplicáveis que vão elevar seu nível de confiança e competência.

A Preparação é Tudo: Antes de Tocar no Paciente
A coleta de sangue começa muito antes da agulha tocar a pele. É uma fase de planejamento meticuloso que previne a grande maioria dos erros. Primeiro, a identificação do paciente. Parece óbvio, mas é um dos pilares da segurança. Use pelo menos dois identificadores (nome completo e data de nascimento, por exemplo) e peça ao paciente que se identifique. Confirme a solicitação dos exames. Em seguida, prepare seu material. Leve ao leito ou à sala tudo o que precisa: tubos adequados aos exames (na quantidade correta), agulhas (de calibre adequado, geralmente 21G ou 22G para adultos), algodão, antisséptico (álcool 70% é o padrão-ouro), garrote, curativo adesivo e porta-tubos. Organize mentalmente a ordem dos tubos para não hesitar durante o procedimento. Lave as mãos e coloque suas luvas de proteção. Este ritual de preparação não é burocracia; é a criação de um ambiente de controle e confiança, tanto para você quanto para o paciente.
Escolhendo o Local Ideal da Coleta
A escolha da veia é uma arte que combina conhecimento anatômico com avaliação tátil. As veias da fossa antecubital (mediana cefálica, mediana basílica e cubital) são as preferenciais. Use a ponta dos dedos, não a polpa, para palpar. A veia ideal tem um “rebote” elástico e está fixa. Evite veias muito próximas à pele, duras como cordas ou em áreas de flexão. Agora, vamos falar sobre o garrote. Sua função é causar um represamento venoso superficial, não cortar a circulação arterial. Aplique-o cerca de 7 a 10 cm acima do local planejado para a punção, com a alça voltada para cima para facilitar a remoção com uma só mão. A tensão deve ser firme, mas não excessiva – você deve conseguir deslizar um dedo por baixo. Um erro comum é deixar o garrote por mais de um minuto, o que pode causar hemoconcentração, causando hemólise, e alterar resultados como proteínas totais e cálcio. Oriente o paciente para fechar a mão levemente, sem bombear, pois movimentos vigorosos também alteram a química sanguínea.

Fundamentos em Hematologia – Hoffbrand & Moss – 7° Edição – Editora Artmed

Tratado de Hematologia – Vanderson Rocha – 2° edição – Editora Atheneu
O Momento da Punção: Técnica, Ângulo e a Importância do Bisel
Aqui é onde a teoria ganha vida. Limpe o local com o antisséptico em movimentos circulares concêntricos, deixe secar completamente. A secagem é vital, pois o álcool não esterilizado na pele pode causar ardência e hemólise. Estabilize a veia tracionando a pele levemente para baixo com o polegar da mão não-dominante. Segure a agulha com a mão dominante, como se fosse uma caneta. O ponto crucial é o ângulo de inserção. A maioria das veias requer uma inserção entre 15 e 30 graus. Inserir em um ângulo muito aberto pode transpassar a veia; um ângulo muito fechado pode não alcançá-la. E o bisel da agulha? Ele deve estar voltado para cima. Isso não é uma convenção aleatória. Com o bisel da agulha posicionado para cima, a ponta cortante penetra a pele e a parede da veia de forma mais suave e com menor trauma. Ao entrar no vaso, o sangue flui imediatamente para a câmara da agulha, sinalizando o sucesso da punção. A sensação é de um “gave” súbito. Após o fluxo, diminua ainda mais o ângulo e avance a agulha mais 1 ou 2 mm para garantir que toda a abertura do bisel da agulha esteja dentro da luz do vaso
A Correta Ordem dos Tubos e Técnica de Enchimento
Com a agulha posicionada com sucesso na veia, é hora de coletar os tubos. Esta etapa é governada por uma regra de ouro: a correta ordem dos tubos. Esta sequência não é uma mera formalidade, mas uma proteção química contra a contaminação cruzada de aditivos. A ordem universal é:
- 1) Hemoculturas (se for o caso);
- 2) Tubo sem aditivo (tampa vermelha) ou com gel separador;
- 3) Tubo com citrato de sódio (tampa azul – para coagulação);
- 4) Tubos com outros aditivos (heparina – verde, EDTA – lilás/rosa, fluoreto – cinza).
Seguir a ordem dos tubos à risca previne, por exemplo, que traços de EDTA de um tubo lilás contaminem um tubo azul e inviabilizem o coagulograma. Ao acoplar cada tubo no suporte, mantenha a agulha imóvel. Deixe que o vácuo faça o trabalho. Nunca force o sangue para dentro do tubo com a mão, isso causa hemólise. Após o enchimento, remova o tubo e inverta suavemente, conforme recomendação do fabricante (geralmente de 5 a 8 vezes), para homogeinizar o sangue com o aditivo. Lembre-se de soltar o garrote antes de retirar o último tubo, para evitar extravasamento de sangue no tecido.

Finalização, Riscos Comuns e Considerações Finais
Após coletar o último tubo na correta ordem dos tubos, coloque um chumaço de algodão ou gaze seca sobre o local, retire a agulha em um movimento único e rápido, e aplique pressão imediata. Oriente o paciente a manter a pressão com o braço estendido, sem dobrar o cotovelo, por pelo menos 3 a 5 minutos. A dobra no cotovelo pode formar um hematoma. Descarte a agulha imediatamente no recipiente perfurocortante (descarpack). Rotule os tubos à beira do leito, na frente do paciente, para garantir a rastreabilidade. Por fim, verifique o estado do paciente e forneça orientações pós-coleta. É importante reconhecer complicações: o síncope vasovagal (mal-estar e desmaio) é comum. Esteja preparado para deitar o paciente e elevar seus membros inferiores. Hematomas podem ser minimizados com uma boa compressão. A flebite (inflamação da veia) requer observação.
Referências Bibliográficas
- HOFFBRAND, A. V.; MOSS, H. Fundamentos em Hematologia de Hoffbrand. [s.l.] Artmed Editora, 2018.
- LABORATÓRIO, U. S. PARA. 4 cuidados essenciais no setor de coleta laboratório de análises clínicas. Disponível em: <https://www.unilab.com.br/gestao-laboratorial/setor-de-coleta-laboratorio-de-analises-clinicas/>.
- tubos laboratoriais – Enfermagem Florence. Disponível em: <https://enfermagemflorence.com.br/tubos-laboratoriais/2-10/>. Acesso em: 9 dez. 2025.

